27 setembro, 2006

NÂO

Prefácio para o livro Não, de Augusto de CamposArnaldo Antunes"Não", by Augusto de Campos, ed. Perspectiva: 24/10/2003

O filósofo Ludwig Wittgenstein (que comparece neste livro intraduzido em om / e. e. wittgenstein) dedicou toda sua obra à reflexão sobre os limites da linguagem. É famosa a asserção com que ele encerra o seu Tratactus Logico-Philosophicus: “O que não se pode falar, deve-se calar”.No extremo mais extremo dessa (im)possibilidade, para onde a filosofia ou a fala de todo dia apenas apontam, sem alcançar, emerge a linguagem-coisa de Augusto de Campos.Entre falar e calar, seus poemas parecem dizer o indizível, por não tentar dizê-lo, mas realizá-lo através da linguagem. Dessa condição limítrofe surgem as marcas de negação que vêm caracterizando sua poesia há muitos anos — poetamenos, expoemas, despoesia, o afazer de afasia, o vácuo o vazio o branco, o oco, a canção sem voz, poesia sem placebo, semsaída, nãopoemas, não.Tais sinais de menos adquirem positividade na medida em que os poemas se efetivam; minérios extraídos de recusas a todos os excessos e facilidades.O que sobra depois de subtrair tanto? Que sumo essência medula “osso/sos”? Augusto não responde, mostra. Como em não, que dá título a este volume, poema feito do dizer o que não é poesia, numa sequência de pequenos quadrados brancos nas páginas negras, que vão pouco a pouco rarefazendo as colunas verticais do texto até o limite vertebral da única linha “oesia”.Como também em semsaída, estampado na contra-capa, que toma o mote mais repetido pelos antagonistas da poesia concreta (que ela teria levado a poesia a um “beco sem saída”, expressão também citada/brindada em desplacebo), positivando seu sentido, afirmando a potência do desafio ante o impossível.semsaída lembra tudoestádito (1974), pelo que diz, assim como pela forma de decifração que impõe para que se chegue ao que diz. E também pela livre disposição das frases, que podem ser lidas em diferentes ordens. Em tudoestádito esse caráter lúdico se evidenciava especialmente na versão da Caixa Preta, de Julio Plaza e Augusto (1975), onde o poema vinha impresso em seis folhas permutáveis. semsaída convida ao jogo misturando as frases num labirinto, onde se pode entrar a partir de diferentes direções.Reverberações como essa são comuns no trabalho de Augusto de Campos — poemas que parecem comentar, ou completar, com intervalos de anos, uns aos outros. Podemos lembrar os versos da contra-capa de Despoesia (1994) — “a flor flore / a aranha tece / o poeta poeta” — ao ler “a cor / cora / a flor / flora / o ir / vai / o rir / rói / o amor / mói / o céu / cai / a dor / dói”, em ferida (2001), onde a obviedade se converte em estranhamento. Ou associar não (1990) a poesia (1998) — “nãoéphila / telianãoé / philantro / pianãoéph / ilosophia / nãoéegoph / iliaésome / ntepoesia”, onde sobressai semanticamente o “some” que encerra a penúltima linha. E espelho (1993) a desespelho (2000), que gira em torno do “o” central (o “espelho” dentro e fora do “olho”), assim como ruído (1993), que por sua vez remete a omesmosom (1989/1992).O próprio formato quadrado de NÃO dialoga com Despoesia, assim como sua estrutura, dividida em duas seções de poemas, uma de profilogramas e uma de intraduções.Se por um lado tais recorrências denotam uma trajetória de coerência e fidelidade a um projeto estético, por outro, a poesia de Augusto de Campos se caracteriza pela busca incessante de novas soluções formais — nas diferentes possibilidades de fragmentação da linguagem; na inauguração de sistemas de leitura, onde o linear se abre ao prismático; nos signos dentro de signos, onde várias alternativas disputam, pelos cortes ou junções, o mesmo espaço sintático (“sub/ir” em “subir” — paradoxo de uma só palavra —, “pulsa” em “ex/pulsa”, “ruído” em “dest/ruído”, “alenta” em “rapid/alenta/mente”, etc.); na exploração constante dos procedimentos gráficos (o uso cada vez mais apurado da cor, disposição e escolha de tipos, que se relacionam isomorficamente com os sentidos dos poemas e ao mesmo tempo inserem obstáculos de leitura que são incorporados à sua recepção), usados de forma estrutural e não decorativa.Como se a cada passo conquistado fosse preciso buscar outro andar, sem repouso (“fujo de mim / e assisto a minha fuga”, diz em “rapidalentamente”), cada descoberta formal alimenta o anseio de correr o risco atrás de outro processo, outro limite, outra sensibilidade.É natural portanto que Augusto busque no repertório de recursos digitais novas instigações para sua expressão apur(depur)ada, procurando respostas de linguagem que façam usos procedentes desses meios, raramente integrados de forma tão coesa à criação poética.Se os frutos desse embate já ampliam as possibilidades gráficas do próprio livro, no CD-rom que o acompanha podemos apreciar ainda mais plenamente seus resultados. Nele encontramos versões animadas e sonorizadas que redimensionam poemas já existentes, como caracol, cidadecitycité, rever, entre outros, e criações feitas especialmente para os recursos que as sustentam, como os morfogramas, os interpoemas e outros como criptocardiograma e semsaída, que, além da já admirável inserção de movimento na palavra escrita, somada à sua ocorrência sonora, incorporam ainda o aspecto da interatividade com o receptor.Se a poesia concreta, com sua dimensão verbivocovisual, já indicava experiências de linguagem avançadas para os meios da época (a sugestão de movimento já aparecia, por exemplo, pela composição tipológica de poemas como velocidade, de Ronaldo Azeredo, ou infin, de Augusto, ou pela sequência gráfica de várias páginas como em seus cicatristeza ou oeilfeujeu, assim como no organismo, de Décio Pignatari; o aspecto interativo também era já prenunciado em poema-objetos como linguaviagem e tudoestádito, da Caixa Preta), os recursos digitais parecem agora idealmente adequados ao seu espírito de invenção. Ao explorar suas virtualidades nesses clip-poemas, Augusto de Campos demonstra continuar desbravando novos territórios de linguagem, com inquietude determinada, cinquenta anos depois da formação do grupo noigandres.Do menos ao ex, do ex ao des, do des ao não, a poesia de Augusto renova sua afirmação.

FUXICOS

Calma gente. Não se desesperem que tiraram o vídeo da Cicareli da internet. Nada de mais. Tá chateado(a)? É só arranjar um namorado(a) gostoso(a), comprar uma passagem para Espanha, ir para uma praia paradisíaca, entrar na água, estar super a fim, jurar que não tem perigo transar sem camisinha no mar (já ouviu falar que salmora é um belo antidoto para a aids?). Pronto, prá que vídeo? Você é o autor de sua história.

26 setembro, 2006

POR QUE?

Por que

As roupas gastam
A pele enruga
Os dentes sujam
O tempo voa
O amor desgasta
E a vida passa
?

Por que

O cavalo tem freio
O carro amassou
O carroceiro é feio
A criança esmolou
A cidade tem medo
E a justiça não veio
?

Por que

Sujam as ruas
Poluem o dilúvio
Assustam as crianças
O pobre é mulato
Estou sem dinheiro
E sem candidato
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25 setembro, 2006

EPÍLOGO

O que? Vais partir? Me dizes que de tanto te inventar tu não existes? Que já não te sirvo... sou pouco útil. Me abandonei e teu olhar era o meu no espelho... tuas palavras meu eco? Não entendi tuas pistas, neguei as evidências. Não era máscara, tu me deixaste claro, eu que quis ser cega?
Vai então, que o amor, é um mito que vale à pena acreditar e tu, perdeste o crédito, meu bem. No fim, cada um tem que suportar a si mesmo. E teu peso, de cem, mil, uma tonelada, tu que carregas. Eu levo a leveza de meu sonho, a minha capacidade de (até) te inventar.
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21 setembro, 2006

CAPÍTULO 3

Sim, minha utopia, eu quero como inventei. Minha crença, anti-ceticismo na veia, semente, flor, fruto. Meu pecado eterno, é contigo que ardo, mesmo sendo inverno. Sim, te dispo com meu olhar, mas te cubro com palavras. E mesmo nú, não estarás pelado, nem calado nesse jogo de descobrimento em que me-te quero.
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CAPÍTULO 2

Tecendo de palavra em palavra me lanço profana na teia desse olhar, amortecendo do caos de antes, diante desse encontro. Sem ser salva ou salvadora, nem santa, nem meretriz. Todas heroínas às avessas, uma Ariane sem novelo, o que me importa são os labirintos, quero ser o canto da sereia e não Penelope a esperar, quero ser o próprio mar por onde navegas.
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20 setembro, 2006

ESCREVER

Há mais ou menos três semanas eu decidi que era hora de eu voltar a escrever algum trabalho. Mas, decidi também, que esse seria um trabalho com um compromisso ético: que ele fosse voltado para o meu desejo. Escrever tem a ver com isso para mim. É um encontro com meu desejo. Cheguei na seguinte tautologia: vou escrever sobre escrita. Queria um trabalho com a potência de me ensinar e me encantar ao mesmo tempo. Fui deslizando para aquilo que queria saber: será que isso que escrever produz em mim, tem fundamento para os outros, o que acontece com eles, será que podemos nos reiventar através da criação na escrita? Então resolvi procurar os tais outros. Fiz uma lista de pessoas que escrevem de diferentes formas. Aí, surgiu um sub-critério : precisava ser pessoas também encantadoras.
Agora já comecei com os encontros, vejam algumas maravilhas que eu ouvi e se não é de se apaixonar.

O amor me faz escrever. A escrita nasce como quem olha uma paisagem. A escrita entra no meu pensamento, ela é inevitável. Eu escrevo como respiro.(Dalva)

Escrever é me conhecer, é meu ofício de descoberta dos relevos que me pertencem, que se refazem que vão se criando. A literatura é meu exercício de prospecção de mim mesma, se é que existe literatura ou qualquer organização nesse sistema desmesurado de expressão em que me procuro, me perco, me componho. Não sei o quanto as palavras me determinam, ou em que medida eu as vou determinando. Sei mesmo é que as intuo pertencentes ao meu corpo, à minha pele, aos meus fluídos e que há uma permanente mutação em processo. Minha grande pretensão é que aos olhos dos outros, chegue a minha humana tradução. (Ticci)
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PEQUENA NOVELA ROMÂNTICA

capítulo 1

O teu olhar me despe. A cada fitar teu, sinto que fico mais núa. O que vai recobrindo esse desnudar são tuas palavras. Assim, não me sinto pelada, nem calada, embora aceite em silêncio esse streep tease escópico. Assim, se teu olho me deixa núa, tua boca me contorna. Nesse jogo de descobrimento vou deslizando na tua prosódia, mergulhando na tua mirada. Ainda accredito nas nossas coincidências, mesmo que eu as tenha inventado.
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18 setembro, 2006

NA CITE

Na cidade, Lenine lançando seu acústico MTV, na onda do divino, ele assim também é... Na quarta ele vai estar autografando na Cultura, às 17 horas, o CD. Pessoalmente, vou esperar o DVD que sai no fim do mês.Mas, se pudesse, iria ver de perto seu olhar de raio x.
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...E O DIVINO VIVE

Vejam esse poema, (desconfio que o Leminski fez para mim, hhhh...)
Sorte no jogo,
azar no amor.
De que me vale sorte no amor
Se o amor é um jogo
E o jogo não é o meu forte
Meu amor?
E esse:
Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não,
Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo.
E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.
PAULO LEMINSKI, é divino!

16 setembro, 2006

DEUS ESTÁ MORTO

" As convicções são inimigas mais perigosas da verdade que as mentiras."
"Não pretendo ser feliz, pretendo ser verdadeiro."
"Cristo morreu cedo demais. Se tivesse vivido até à minha época, ele teria repudiado a sua doutrina."
"Os portadores dos instintos depressores e sedentos de desforra, os descendentes de toda escravatura européia e não européia, de toda população pré-ariana especialmente - eles representam o retrocesso da humanidade!"
"A irracionalidade de algo não é um argumento contra sua existência, mas sim uma condição desta"
"E vós quereis ser super-homens se não sois humildes?Humano, demasiado humano. O erro é perdoável.A arrogância, não."
"Eu não saberia responder o que o espírito de um filósofo pôde desejar a mais do que ser um bom dançarino"
"O que não me mata, me fortalece!"
"Viver quer dizer ser cruel e implacável contra tudo o que em nós se torna fraco e velho"
"Somente aquele que possui uma fé profunda pode se dar ao luxo de ceticismo."
"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos, sem número, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes... siga-o... "
"A vingança nunca é plena, mata a alma e envenena"
NIETZSCHE
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OLHAR

Alguns olhares colocam a lente nas nossas mais belas formas. Um click e me achei linda. Parece que só revela o que de mim me faz sentir bonita. Outros olhares me apagam, me ausentificam. O encontro produz tristeza, esvaziamento. Me sinto interpretada por um mau tradutor. Tem olhar que contorna o corpo. Tem olhar que deforma. O teu olhar, melhora o meu!

- O seu olhar
Arnaldo Antunes
Tom: D
D A
O seu olhar lá fora
C
O seu olhar no céu
G
O seu olhar demora
O seu olhar no meu
D D/C# D/B A
O seu olhar seu olhar melhora...
G A
Melhora o meu.
D A
Onde a brasa mora
C
E devora o breu
G
Como a chuva molha

O que se escondeu
D D/C# D/B A
O seu olhar seu olhar melhora...
G A
Melhora o meu.
D A
O seu olhar agora
C
O seu olhar nasceu
G
O seu olhar me olha
O seu olhar é seu
D D/C# D/B A
O seu olhar seu olhar melhora...
G A
Melhora o meu.

CALIGRAFIA

Sobre a caligrafiaArnaldo Antunes
20/03/2002

Caligrafia.Arte do desenho manual das letras e palavras.Território híbrido entre os códigos verbal e visual.— O que se vê contagia o que se lê.Das inscrições rupestres pré-históricas às vanguardas artísticas do século XX.Sofisticadamente desenvolvida durante milênios pelas tradições chinesa, japonesa, egípcia, árabe.Com lápis, pena, pincel, caneta, mouse ou raio laser.— O que se vê transforma o que se lê.A caligrafia está para a escrita como a voz está para a fala.A cor, o comprimento e espessura das linhas, a curvatura, a disposição espacial, a velocidade, o ângulo de inclinação dos traços da escrita correspondem a timbre, ritmo, tom, cadência, melodia do discurso falado.Entonação gráfica.Tais recursos constituem uma linguagem que associa características construtivistas (organização gráfica das palavras na página) a uma intuição orgânica, orientada pelos impulsos do corpo que a produz.Assim como a voz apresenta a efetivação física do discurso (o ar nos pulmões, a contração do abdómen, a vibração das cordas vocais, os movimentos da língua), a caligrafia também está intimamente ligada ao corpo, pois carrega em si os sinais de maior força ou delicadeza, rapidez ou lentidão, brutalidade ou leveza do momento de sua feitura.A irregularidade do traço denuncia o tremor da mão. O arco de abertura do braço fica subentendido na curva da linha. O escorrido da tinta e a forma de sua aborção pelo papel indicam velocidade. A variação da espessura do traço marca a pressão imprimida contra o papel. As gotas de tinta assinalam a indecisão ou precipitação do pincel no ar.Rastos de gestos.A própria existência de um saber como o da grafologia, independentemente de sua finalidade interpretativa sobre a personalidade de quem escreve, aponta para a relevância que podem ter os aspectos formais que, muitas vezes inconscientemente, constituem a "letra" de uma pessoa.O atrito entre o o sentido convencional das palavras (tal como estão no dicionário) e as características expressivas da escritura manual abre um campo de experimentação poética que multiplica as camadas de significação.Além disso, suas linhas, curvas, texturas, traços, manchas e borrões, mesmo que ilegíveis, ou apenas semi-decifráveis, podem produzir sugestões de sentidos que ocorrem independentemente do que se está escrevendo, apenas pelo fato de utilizarem os sinais próprios da escrita.O A grávido de O.Érres e ésses atacando Es.A multiplicação de agás.Rios de Us e emes e zês.Esqueletos de signos fragmentados.Dança de letras sobrepostas possibilitando diferentes leituras.Paisagens.Horizontes ou abismos.
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14 setembro, 2006

Othello

Chegou correndo no parque para encontar os amigos. Domingo conturbado, com mil atrasos. Já eram 17 horas, o pessoal que trouxe a exposição de bonecos já tinha ido embora. Othello no teatro São Pedro, às 18 horas.
- Tu sabias que a peça tem quatro horas e meia de duração?
- Não brinca.
- Sério.
- Acho que vou amarelar. Alguém quer ir prum boteco tomar um espumante? Tô cansadaça, desisti da peça, vou mandar um torpedo avisando minha amiga que não vou mais.
Lá pelas vinte horas e na segunda garrafa de champagne toca o celular:
- Amiga, que peça maravilhosa que tu perdesse! Que montagem maravilhosa, que recursos de montagem!
- Como assim? A peça tá no meio, tu deves ter saído no intervalo.
- Bem capaz!
- Acorda mulher, a peça acaba às dez. Volta lá e vê o fim.
- Ah, prá mim tá bom assim, agora vou embora mesmo.
Cenas da vida real...

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ESCREVER

Antes eu dizia: "Escrevo por que nâo quero morrer! Mas, agora eu mudei. Escrevo para compreender: O que é um ser humano?"
José Saramago

13 setembro, 2006

ESCREVER

Por que escrevo?

Para que meus amigos me amem mais.

Gabriel Garcia Marques

12 setembro, 2006

ESPELHO

Espelho

Exílio
Caminho
Sozinho
Num labirinto
À noite
Mergulho
No absinto

Insônia
Marcada
Na madrugada
Levanta
A menina
Abandonada
Procura
A mulher
De alma lavada

Cruza o deserto
Passa a fronteira
Busca a saída
Da trilha perdida
No espelho do dia
Olha-se mulher
Enxerga a menina


Imagem: Menina no espelho/Picasso Poesia: Elaine
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11 setembro, 2006

ESCREVER

da cólera ao silêncio
"(...) Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta (...)" Caio Fernando Abreu

10 setembro, 2006

Fur die kinder von gestern, heute und morgen

Os teatros cheios, muitos espetáculos. Porto Alegre em cena. Assisti Adriana Calcanhoto, com sua voz e violão. Preferia que fosse o Partimplim, seria mais divertido. Fui assitir Esperando Godot e apesar de ser um espetáculo que era para ser angustiante e ter sido engraçado, confesso que as três horas de duração quase me aniquilaram. Mas, Fur die kinder gestern, heute und morgen, foi o que merece ser chamado de espetáculo. E foram três horas. Beleza, sensibilidade, tristeza e alegria, um espetáculo que faz a gente se sentir feliz de ser humano (e olha que tá dificil de se sentir assim). Teatro e dança, com bailarinos que fogem aos esteriótipos. Jovens, mais velhos, pequenos, grandes, de vários sexos. Falando em português. Falando em humanês. Amei, fui atravessada, trantornada, transformada, como faz a arte com a gente.
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07 setembro, 2006

CLÁSSICOS

José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocassea valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nuapara se encostar,
sem cavalo pretoque fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond

04 setembro, 2006

CASOS E ACASOS

O primeiro namorado foi o João, aos quinze anos. Namoraram por três anos. Se separaram, voltaram e ela foi adiante muito mais rápido que ele. Cansou de ver televisão aos domingos e acabou o namoro com o rapaz. O segundo cara que ela ficou chamava-se João. Não durou muito. Só ficavam. Num feriado, ela juntou suas coisas e foi para praia num bus de excursão. Ao seu lado sentou-se um cara. Seu nome: João. Começaram a namorar desde lá. Outro dia, na faculdade, chegou um gatinho que veio falar com ela. Papo vai, papo vem, ele pergunta o nome dela. Ela responde e pergunta o nome dele:João. Ela já podia adivinhar.

03 setembro, 2006

PEQUENOS GRANDES ARTISTAS

Esse é um quadro pintado pelo Rafael, em 2005, a partir da história A galinha dos ovos de ouro.
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AMIGAS

- Lembra aquela vez que tu veio de Fortaleza e a gente foi conhecer aquele bar, um tal de América?
- Na Nilo?
- É.
- No outro dia peguei o avião, bêbada.
- E eu, no outro dia, ligava prá minha mãe entre uma consulta e outra. Achei que ia morrer desidratada por que nada ficava no meu estômago. Fiquei ruim uns quatro dias.
- Foi muito wísque.
- É foi muito wísque.
- Mas, tu beijou naquela festa, heim?
- Tava assim, todo mundo beijava todo mundo. Sobrou até uma prá ti. Lembra que a gente se beijou?
E as duas amigas se dobravam rindo das suas lembranças.
- Eu comecei a beijar também. Me senti deslocada e entrei na onda. No meu tempo a gente só ficava com um por noite.
- Os tempos mudaram.
- E a gente já tinha mais de trinta naquela época.
- E aí? Agora temos mais que quarenta.
E elas gargalhavam.
- O pior foi o day after, o telefonema que eu recebi.
- Por que mesmo?
- Era da empresa do meu pai. Alguém achou minha carteira de identidade na rua, procurou pelo sobrenome no guia e foi entregar em mãos para o meu pai. Que mico!
- Que micão!
- E lembra que no fim do ano fui com tua irmã passar o revellion em tua casa? Tu morava na Praia do Futuro.
- Claro, eu ia prá Europa com meu marido e vocês duas iam cuidar dos meninos.
- Teu filho devia ter uns seis anos e teu enteado uns quinze, né?
- Por aí.
- Foi ótimo, que terra bem gostosa, aquelas praias maravilhosas...
- Ótimo foi o que aconteceu com vocês duas na festa de revellion
- Nem me fala.
E as duas davam gaitadas.
- Foi num clube chiquérrimo, nunca vi tanta gente brega!
Muitos risos.
- Aquilo é a alta sociedade cearense.
- Mas tinha só do bom e do melhor, muito champanhe, muito! Teu enteado foi com a gente. Ele nos dava banho de espumante. Fiquei toda molhada.
- Ele bebeu todas.
- Eu e tua irmã também.
- Fim de ano é assim.
- E vocês estavam em Londres, né?
- É.
- A festa foi ótima, o problema foi a volta. Eu que tava dirigindo. E tava prá lá de Bagdá. Eu pegava o avião às sete de volta pra Porto Alegre, tinha que trabalhar.
- Puts!
- Daí, me perdi, acabei numa favela. Já tava amanhecendo e eu com a cabeça prá fora do carro gritava: Praia do Futuro, Praia do Futuro. Tinha certeza que ia perder o avião.
- Mas, não perdeu.
- Não, mas perdemos teu enteado na festa. Esquecemos dele, completamente.
- Suuuuuper responsáveis!
Risadas.
- A tua irmã o encontrou às dez da manhã. Voltando a pé pra casa. O guri tava um zumbi.
- Ele confessou que dormiu numa moita na festa, vocês não iam encontrar ele nunca.
- Tadinho!
- Na hora de ir embora, perdi uma lente de contato e voltei zarolha. Foram seis horas de viagem, com conexão no Rio, zarolha!
- Acontece!
As duas se olhavam emocionadas, tudo era engraçado.
- Fui trabalhar honrosamente no dia dois de janeiro.
- E aquele carnaval na Ferrugem?
- A gente andava no meio da lama, lembra? Tinha chovido e a estrada de areia, virou lodo.
- A gente caminhando de mãos dadas, indo prá casa, rindo na lama.
- Isso que é lama!
- E as pessoas passavam, indo prá praia de cadeirinha.
- Encontramos tua irmã indo prá praia...
Mas que bom que tu veio passar uns dias em Porto Alegre.
- É, mas são só três dias...
- Ah, lembrei outra, quando fomos pra festa à fantasia no Jangadeiros!
- É, nós nos perdemos e saímos de Pedrita , com micro saia andando pela zona sul.
- Eu sempre me perdia de carro na zona sul.
- Legal foi tomar café da manhã na casa dos teus pais. Eles tinham ido viajar.
- Isso, a gente namorava aqueles irmãos velejadores.
- Lembra do Queixinho?
E as duas rolavam rindo. Posted by Picasa