21 agosto, 2006

DIÁLOGOS

Por que a gente escreve se não para tentar traduzir-se, re-criar-se? Recrear, brincar, criar de novo. Cada vez em que me encontro na confusão em que me meti, é de novo um manto novo do ser. Uma versão que revela o que vela. E se sinto dor, canto e se sinto beleza, esparramo. Ferreira Gullar, Fernando Pessoa e a minha pessoa, por que quando estou só, tenho tantos para dialogar.
Traduzir-se
(Ferreira Gullar)

Uma parte de mim
É todo mundo
Outra parte é ninguém;
Fundo sem fundo

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte é estranheza
e solidão

Uma parte de mim
Pesa, pondera:
Outra parte
Delira

Uma parte de mim
Almoça e janta:
Outra parte
Se espanta.

Uma parte de mim
É permanente:
Outra parte
Se sabe de repente

Uma parte de mim
É só vertigem
Outra parte
Linguagem.

Traduzir uma parte
Na outra parte
Que é uma questão
De vida ou morte
Será arte?

Tudo que sinto, tudo quanto penso
(Fernando Pessoa)

Tudo que sinto, tudo quanto penso, sem que eu o queira se me converteu numa vasta planície, um vago extenço onde há só nada sob o nulo céu.
Não existo senão para saber que não existo, e, como a recordar, vejo boiar a inércia do meu ser no meu ser sem inércia, inútil mar.
Sargaço fluído de uma hora incerta, quem me dará que o tenha por visão? Nada, nem o que tolda a descoberta como o saber que existe o coração.
O EU
(Elaine)

O
EU
ESTE
SER
EM
TRANS
FORMA
AÇÃO